"O Salgado Faz Anos… FEST!: Onde a Amizade É o Palco e a Música, a Casa"
Texto por Mia Nieves
Imagem por Maria João Ferreira
25 – Janeiro – 2025
O Salgado Faz Anos… FEST, para além da celebração das voltas ao sol que a vida de Luís Salgado dá, é uma verdadeira celebração da música independente e da cena underground em Portugal. Organizado no Maus Hábitos, no Porto, o festival oferece uma plataforma essencial para bandas que, muitas vezes, ficam fora do radar dos grandes circuitos comerciais.
Com uma curadoria que reúne artistas independentes, muitos dos quais atuam em espaços DIY ou em nichos mais fechados, o festival ajuda a dar visibilidade a novos projetos e a consolidar a cena alternativa portuguesa. O facto do evento acontecer num espaço já associado à cultura independente, reforça ainda mais este compromisso com a contracultura e a arte sem concessões. Bandas que funcionam de forma autossuficiente, que gravam/lançam os próprios discos e que criam os seus circuitos, encontram aqui um espaço para se conectar com o público sem intermediários. O evento não só fortalece essa mentalidade como também inspira novas bandas e coletivos a manterem-se fieis às suas raízes, sem sentirem que precisam de moldar o som ou a imagem para serem aceites num mercado mais amplo. (e ainda bem!)





Um dos maiores destaques do evento é o Palco Super Bock, que se torna, para nós, o coração do festival. O palco traz a intensidade e a energia da cena do Porto, criando uma atmosfera onde a resistência e a autenticidade andam de mãos dadas. Como um fino bem tirado, a programação deste palco é forte, direta e nunca deixa de ser surpreendente, com atuações intensas e inesquecíveis como foi o caso de bandas como IDLE HAND e MONCHMONCH,TRASGO E GATAFUNHO, também foi palco da estreia de OFFTIDES. O concerto de lançamento da banda foi um marco, com a apresentação da sua sonoridade única e da energia que trazem à cena. Sem dar grandes spoilers… se tiverem oportunidade, mesmo que na dúvida – VÃO!! Prometeram tudo e entregaram em dobro! A oportunidade de se estrearem neste palco foi essencial para reforçar a sua identidade e projetar o som para um público que vai além dos nichos convencionais.
Mais do que um simples espaço para apresentações,este palco é uma verdadeira experiência sensorial, onde a música se mistura com a alma do próprio Porto.












Infelizmente por motivos de força maior, não conseguimos estar presentes nas atuações de Trasgo e Gatafunho, com muita pena, porque eram sem dúvida dois dos gigs que mais ansiamos ver! Especialmente porque nunca houve momento oportuno para tal, mais uma vantagem deste evento – dar o check em bandas que estão na lista! Ficará para uma próxima. Não vimos, mas ouvimos dizer que arrasaram!
Seria difícil salientar favoritos, até porque, convenhamos, escusado será dizer que o favorito será sempre O Salgado… Ainda assim,a presença de IDLE HAND foi um verdadeiro ponto de ruptura dentro da programação. Conhecidos pelo peso esmagador do seu Doom/Sludge, a banda trouxe uma sonoridade extremamente densa para um palco que, historicamente, recebe propostas mais “acessíveis”. Mas, em vez de alienar o público, a sua presença tornou-se um dos momentos mais comentados do festival. – NO 11! ROCK É PARA SE OUVIR ALTO!
Desde os primeiros acordes, ficou claro que não se encaixava nos moldes convencionais daquele espaço – e isso só fortaleceu o impacto da atuação. A brutalidade e a atmosfera intensa quase que sufocante das suas composições, aliadas a uma entrega crua e instintiva, em palco, criaram uma experiência imersiva que capturou tanto os entusiastas do som pesado quanto os menos familiarizados com o genero. A energia gerada era avassaladora, uma avalanche sonora que, “contra todas as expectativas”, foi capaz de atravessar qualquer barreira de gosto ou familiaridade. – Enquanto que os Gaiatos soaram Invictos, nós respondemos à altura e suamos com a mesma furia.










Nos corredores do Maus Hábitos, só se falava deles! A reação do público provou que há espaço para tudo – desde que seja feito com autenticidade. O que para alguns poderia ter sido uma performance deslocada transformou-se num dos momentos mais marcantes do festival, consolidando-os como uma das grandes promessas do Doom em Portugal. Foi um manifesto: o underground não precisa adaptar-se ao palco – o palco é que precisa de se abrir ao underground.














Já o concerto de MONCHMONCH, não se limita apenas a um gig, mas sim a uma verdadeira afirmação de valores fundamentais da existência humana. Ao afirmar que o punk é amor, não pancadaria, a banda posiciona-se contra a visão simplista do movimento como apenas um espaço de agressividade e rejeição. Este discurso de solidariedade e empatia trouxe à tona questões essenciais para qualquer comunidade que se veja marginalizada, incluindo a importância de resistir através da união, e não da divisão.
A despedida temporária da banda, com o retorno do vocalista ao Brasil, acrescenta um peso emocional adicional, destacando como a vida, com as suas dificuldades e decisões inesperadas, pode moldar o destino das pessoas e das comunidades. Mas, mesmo diante deste cenário, a música permanece como um farol de resistência — não só como uma forma de protesto, mas como um elo profundo entre indivíduos. E deixou claro que, para além dos palcos e do barulho, o underground é feito de laços sinceros e de uma visão do mundo que resiste aos desafios com amor, autenticidade e, acima de tudo, humanidade. – Que todos os Jeff Bezos lhes paguem pão de queijo, que eles merecem o mundo!





Terminados os concertos, seguem-se os Dj Sets. Damos um saltinho em Máquina Dancetaria no palco ao lado com uns copinhos de whiskey puro pelo caminho, enquanto aguardamos pela dupla que nos traz Pilinhas, Salgadinhos e Fortunas. Uma ejeculação de Riot and Roll puro e duro. Grrrl Power como Fuel! Sororidade e fúria como chamas num rastilho curto. Dominam o espaço a cada drop incendiário, como se o chão tremesse sob os pés e as paredes se curvassem à intensidade sonora. A energia delas transcende qualquer limite, criando uma onda de pura adrenalina que toma conta do público de forma incontrolável.E no final, entre batons borrados e sorrisos cúmplices, seja pelo som ou pelo beijo roubado na pista, ninguém sai ileso THE EMA THOMAS.







Ao contrário de festivais mais convencionais, onde muitas vezes há um distanciamento entre público e artista, este, salienta a importância de se manter uma proximidade crua e sem fronteiras. É a prova viva de que a música independente prospera na comunhão entre os que fazem e os que ouvem. E em cada edição, reforça que a cena não precisa de validação externa para se afirmar – ela molda o seu próprio espaço e rompe limites enquanto desafia convenções.
É um aniversário que virou festival, mas que não deixa de ser uma house party onde todos pertencem, um family gathering onde cada acorde sela um laço e cada (blast) beat ecoa como uma conversa entre amigos. Não há barreiras entre quem toca e quem ouve—tudo se mistura num calor humano de corpos que dançam, suam e gritam em uníssono. No final da noite, entre abraços apertados e copos vazios, fica a certeza: esta festa não se esquece, porque mais do que música, é um lar onde todos encontram o seu lugar.
